segunda-feira, março 06, 2006

Reler Púchkin

Leva-me a partilhar convosco estas linhas a dimensão universal de um escritor russo um pouco esquecido: Aleksandr Púchkin. De novo li as Novelas do defunto Ivan Petróvitch Bélkin (Ambar), um conjunto de cinco contos escritos em 1830, os quais marcaram uma viragem na produção do autor. Neles estão superadas as técnicas do Romantismo, que ainda servem de base à nova tendência realista com que se descrevem personagens, espaços e ícones da vida russa. Ressalta, ao longo das páginas da obra, a alternância súbita entre o humor e o mistério, fios com que se tecem os dramas individuais dos habitantes de uma Rússia fechada, por vezes tão desconhecida. Deixo-vos um reconhecimento, tão cultivado pelos românticos nas bases trágicas de algumas obras, e também um momento horrendus com marcas de humor:

“– Meu Deus! – disse Maria Gravrílovna, agarrando-lhe a mão. – Então era você! E não me reconhece?
Burmin empalideceu… e lançou-se aos pés dela...”

A Nevasca
…………………….

“Nesse instante, um pequeno esqueleto passou por entre a multidão e aproximou-se de Adrian. A sua caveira sorria afavelmente ao cangalheiro. Farrapos de pano verde-claro e vermelho e de tela decrépita pendiam dele, aqui e ali, como de uma vara, e os ossos das pernas dançavam dentro das botas altas, como pilões dentro de almofarizes.”
O Cangalheiro

Pela universalidade do factor humano, sempre presente na obra de Púchkin, e por muito mais, é preciso dizer que ele é um escriba de hoje.

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